Tocantins
Justiça concede redução de jornada para mãe de criança com autismo no Tocantins

No mês de conscientização do autismo, decisão histórica do Tribunal de Justiça do Tocantins garante mais dignidade a servidora e reforça necessidade de políticas públicas inclusivas
Em meio às ações do Abril Azul, mês dedicado à conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma decisão da Justiça do Tocantins acendeu um importante alerta para o dever do Estado de assegurar dignidade e suporte às famílias de pessoas com deficiência. Proferida no dia 8 de abril, a tutela de urgência concedida pelo desembargador Eurípedes do Carmo Lamounier autoriza a servidora pública estadual Márcia Aparecida Mendes de Paula Lopes Lima a reduzir em 50% sua jornada semanal de trabalho, sem prejuízo salarial, para acompanhar o tratamento intensivo do filho, diagnosticado com autismo nível 3 – o grau mais severo do espectro.
O caso chegou ao Tribunal de Justiça após negativa em primeira instância ao pedido de redução de jornada feito por Márcia, que apresentou laudos médicos apontando a necessidade de sessões frequentes de terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), fonoterapia e terapia ocupacional. Ao analisar o agravo de instrumento, o desembargador reconheceu a urgência da situação e o risco de danos irreparáveis à criança, caso a mãe não possa acompanhá-lo de forma integral no processo terapêutico.
Apesar de a legislação do Estado do Tocantins ainda não prever expressamente o direito à redução de carga horária para servidores com dependentes com deficiência, a decisão judicial se amparou em jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (RE 1.237.867, Tema 1.097), que estende aos servidores estaduais e municipais as prerrogativas do artigo 98 da Lei Federal nº 8.112/1990, a exemplo do que já ocorre no serviço público federal.
A decisão também impõe ao Estado o cumprimento imediato da medida, sob pena de multa diária de R$ 500, limitada a R$ 10 mil. O processo original tramita em segredo de justiça, com o número 0005715-73.2025.8.27.2700.
Avanço jurídico e social
A ação foi ajuizada pelo escritório Paiva Batista & Falcão – Advocacia e Consultoria Jurídica, representado pelos advogados Ramon Alves Batista e Rafael de Araújo Pons. Para eles, além de representar uma conquista individual, a decisão marca um passo importante na construção de um arcabouço legal mais humanizado e atento às especificidades das famílias que vivem com o autismo.
“É urgente que a política pública acompanhe a realidade das famílias. A legislação municipal e estadual precisa positivar expressamente o direito dos servidores que tenham dependentes com deficiência à redução da carga horária, sem prejuízo da remuneração e sem exigência de compensação futura”, defende o advogado Ramon Batista.
A força do Judiciário na inclusão
A decisão do TJTO ecoa outras semelhantes em tribunais pelo país, como a recente sentença da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que garantiu a uma servidora federal o direito de reduzir sua jornada de 40 para 20 horas semanais para acompanhar o filho com autismo, também sem compensação nem corte de salário.
O caso tocantinense, por sua vez, se destaca por ocorrer justamente no mês de conscientização do autismo, reforçando o papel do Judiciário como aliado na efetivação de direitos quando há omissão do Poder Executivo e do Legislativo. Em uma realidade onde muitas famílias enfrentam sobrecarga física, emocional e financeira para garantir o tratamento adequado aos filhos, a decisão representa alento e esperança.
Mais do que um avanço judicial, a concessão da tutela emergencial é um chamado à ação para que os entes federativos estabeleçam legislações claras, acessíveis e efetivas, garantindo que o cuidado com pessoas com deficiência não recaia exclusivamente sobre a força de mães e pais, mas seja compartilhado com a sociedade e com o Estado, como prevê a Constituição.
Neste Abril Azul, o Tocantins dá um passo importante — mas ainda há um longo caminho a ser trilhado em direção a uma sociedade verdadeiramente inclusiva.