Opinião e Editorial
“Cancelar” outras mulheres, nos torna mais feministas?
O feminismo nunca virou pauta de tantas discussões, desde o Twitter aos debates em universidades, todos querem dar um palpite sobre o que é ser feminista. No entanto, a internet é potencializadora dessas discussões, que traz o novo conceito de “cancelamento” – quando a pessoa é atacada e isolada na web, muitas vezes sem um motivo justificado.
Hoje, “cancelar” faz parte do vocabulário e cotidiano de quem está nas redes sociais. Para se ter uma ideia, em 2021, a palavra cancelamento foi citada 20 mil vezes na internet, já em 2022, o termo foi mencionado mais de 60 mil vezes, segundo pesquisa da agência Mutato. Principalmente, os dados mostram como a sociedade está dividida e agressiva, tudo nas sociais acaba virando um embate.
O cancelamento pode, em alguns casos, ser assemelhado à morte. Hoje em dia vivemos um momento muito específico da cultura do cancelamento – quando você discorda da opinião de uma pessoa e a “cancela”, que é uma espécie de morte virtual, incentivando o apagamento dessa pessoa. O impacto disso ocorre principalmente no mundo virtual, onde estão boa parte das interações da atualidade.
Cancelamento no feminismo
E o cancelamento está cada vez mais presente dentro de pautas feministas. Desde Simone de Beauvoir, mulheres discordam sobre as linhas do movimento, porém, existe uma linha tênue entre o debate e a discussão. O cancelamento de outras mulheres cria pessoas que se intitulam mais feministas do que outras, gerando uma hierarquia. Precisamos lutar por um movimento unido, isso não significa que todas devemos concordar, mas respeitar as singularidades de cada uma, criando um diálogo para buscar o bem-comum, no fundo isso são mulheres entrando na lógica da rivalidade feminina do machismo.
Assim como qualquer movimento, o feminismo tem diversos lados, todos lutam em prol dos direitos femininos, mas de diferentes formas. Existem diversas vertentes do movimento feminista que observam o cancelamento de formas diferentes, é possível perceber uma luta na internet sobre quem mais luta pelo movimento feminista, quem dita as regras, causando um cancelamento de outras mulheres. Assim, alegando que elas não estão contribuindo com a causa, usando os mesmos recursos patriarcais e opressores que invisibilizam a voz feminina, como Paulo Freire diz “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.
O cancelamento entre mulheres, de certa forma retoma o discurso machista, voltado à rivalidade feminina. Isso emite como a rivalidade feminina está internalizada, o cancelamento diz muito mais sobre a pessoa que cancela do que a que está sendo cancelada. É importante termos divergências, o problema é não saber ouvir as diferenças, cada vez mais estamos nos fechando em bolhas e interpretando diferenças como ataques pessoais. Usar a cultura da vergonha nunca é a solução, é diferente criticar por criticar de dialogar e buscar aprender em um debate frutífero, não é necessário expor uma mulher para isso.
*Mayra Cardozo é advogada com perspectiva de gênero, especialista em Direitos Humanos e Penal.