Gedeon Pitaluga destacou a necessidade urgente de revisão da Lei de Custas Judiciais do Tocantins, que tem gerado um impacto cruel à população mais vulnerável do estado. “Longe do valor da justiça, a nova Lei de Custas Judiciais no Tocantins representa, sobretudo para os tocantinenses mais pobres, um verdadeiro jurisdicídio, uma violência social e cruel onde os seus algozes são os próprios Poderes do Estado do Tocantins, proponente e promulgadores da lei”, destacou o presidente em seu discurso. Veja essa parte
O presidente da OAB-TO ainda apontou que a atual legislação sobre as custas judiciais tem sido um obstáculo para o acesso à justiça para os cidadãos de menor poder aquisitivo. A cobrança elevada das taxas processuais impossibilita a participação da população mais pobre e até da classe média nos processos judiciais, comprometendo o direito fundamental de acesso à justiça, garantido pela Constituição Federal. (Veja a íntegra do discurso abaixo)
Posse da nova diretoria do TJTO
Além da abertura do Ano Judiciário, foi empossada a nova mesa diretora do Poder Judiciário do Tocantins (PJTO), tendo a desembargadora Maysa Vendramini Rosal, atual corregedora-geral da Justiça, como a nova presidente do TJTO, para a gestão 2025/2027. A vice-presidente é a desembargadora Jacqueline Adorno.
Na Corregedoria-Geral da Justiça, assumem os cargos o desembargador Pedro Nelson de Miranda Coutinho (corregedor-geral), e o desembargador Adolfo Amaro Mendes (vice-corregedor).
Na Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat) serão empossados o desembargador Marco Villas Boas – atual diretor que permanece no posto-, e a desembargadora Angela Issa Haonat como 1ª diretora adjunta.
Também tomam posse na gestão, o desembargador João Rodrigues Filho (ouvidor judiciário), o desembargador Eurípedes Lamounier (ouvidor substituto) e a desembargadora Ângela Prudente (ouvidora da Mulher).
Confira abaixo o discurso na íntegra do presidente Gedeon Pitaluga na Abertura do Ano Judiciário 2025
Estive aqui anteriormente me pronunciando nesse púlpito em seis aberturas consecutivas de ano judiciário, sendo três delas em posses de Diretorias do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins.
Cada uma dessas oportunidades com uma emoção diferente, e todas me dignificaram igualmente como representante da Ordem dos Advogados do Brasil.
Nessa tarde, a classe advocatícia tem a felicidade e honra de participar da solenidade de transferência de representatividade da alta cúpula judicial tocantinense de uma mulher, Desembargadora Etelvina Sampaio Felipe, para uma outra mulher, Desembargadora Maysa Vendramini Rosal.
Ciente do simbolismo desse marco para a representação feminina, gostaria inicialmente de parabenizar a Diretoria que encerra sua gestão por meio do reconhecimento à Exma Des Presidente Etelvina Maria Sampaio Felipe, que com competência, força e integridade conduziu o Sistema Judicial Tocantinense.
Nos últimos anos, durante o período pós-pandêmico, testemunhei os enormes desafios de guiar os rumos do Poder Judiciário do Tocantins.
Dificuldades que desafiaram a tenacidade de dirigentes comprometidos com o fortalecimento do Tribunal Estadual de Justiça.
Com o mesmo espírito compartilhado de colaboração, gostaria de em nome de 14.000 advogados e advogadas tocantinenses desejar sucesso à nova Diretoria ora empossada, por meio de votos de trabalho profícuo e exitoso à Exma. Des. Presidente Maysa Vendramini Rosal e ao Exmo. Des. Corregedor Pedro Nelson de Miranda Coutinho-
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Ressabemos todos que a função do Poder Judiciário é, em brevíssima perspectiva, garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entes privados e Estado. E, para isso, é preciso ser acessível a todos.
No Tocantins, a população sobrevive com a renda domiciliar per capita de 1.544 reais, a 14a menor do país e temos em média 90% da população das comarcas tocantinenses sobrevivendo com renda de até três salários mínimos.
Mesmo com todo o esforço governamental dos últimos anos, ainda ocupamos o 12o menor IDH do país.
Quanto a isso, merece destaque o recente estudo realizado do Conselho Nacional de Justiça que demonstra que os Estados com maior índice de desenvolvimento têm também o maior percentual de demandas judiciais por habitante.
A partir desse estudo do CNJ pode-se considerar, então, que o acesso à justiça é medida de desenvolvimento social.
Por outro lado, ainda com dados em estudo do CNJ, o valor médio arrecadado em relação ao número de processos ingressados com cobrança de custas no Tocantins é de 1.550 reais; um dos maiores do país, mesmo sendo um estado pobre, ficando atrás somente de estados desenvolvidos como MG, RJ, SP, MT e GO.
Nesse cenário de números e estatísticas socioeconômicas, seria insensível se deixasse de reconhecer que a preservação do patrimonialismo está arraigada na nossa sociedade e nas nossas instituições, inclusive no Poder Judiciário, desde o Brasil Colônia.
No Brasil República, o cenário não mudou: o acesso ao Judiciário é garantido especialmente a quem tem dinheiro para custear de forma antecipada as famigeradas custas judiciais.
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Paro aqui para fazer um parêntese, e aprendendo as lições de Millôr Fernandes que nos ensina que, no Brasil temos um grande passado pela frente, peço licença para trazer a literatura para me auxiliar nessa reflexão atemporal.
Ademais, a literatura sempre foi um farol de avaliação social.
Inicio com a obra de Machado de Assis “O Astrólogo”, que relata a história de um aristocrata andando nas ruas e contemplando os astros com tamanha atenção, que, distraído, caiu no poço que estava a sua frente.
Uma velha senhora, vendo-o cair, soltou a exclamação:
“Se ele não vê o que está aos seus pés, porque está investigando o que está tão acima?!”
Em época de inteligência artificial, de chatgpt, de deepseek; mesmo olhando “tão longe” e “acima”, por que não olhamos para o que está próximo de todos nós? A população pobre, carente e vulnerável, que precisa da nossa atenção.
No enredo da obra “Memória de um sargento de milícias”, de 1854, as altas custas judiciais possibilitavam ao pobre e a classe média-baixa o acesso ao Judiciário para ouvir o “canto dos meirinhos” somente em dois casos:
Ser cobrado por dívidas;
ou para responder uma ação penal.
Já Graciliano Ramos, em
São Bernardo, de 1934, também retratou a desesperança de pessoas humildes que, mesmo tendo direito, deixaram de procurar a justiça porque o acesso era caro.
Nessa obra, chama a atenção um personagem, Dr Magalhães, distinto juiz da comarca.
O magistrado relata em primeira pessoa a sua rotina:
“Acordo cedo, tomo uma xícara de café, pequena, faço a barba, vou ao banho.
Depois passeio pelo quintal, volto, distraio-me com as revistas e almoço, pouco, por causa do estômago.
Descanso uma hora, escrevo, consulto os mestres.
Janto, dou um giro pela cidade,
a noite, recebo os amigos, quando aparecem,
e aí durmo
(…) sou apenas juiz”.
O personagem, Dr Magalhães, reflete a imagem do juiz neutro e distante em seu universo particular, dizendo-se isento e técnico, indiferente a realidade coletiva e as consequências sociais das suas decisões.